No Rio é Que se Rema

24/09/2021

No primeiro capítulo de seu magnífico e mais famoso romance, Melville nos apresenta o jovem Ismael, com quase nenhum dinheiro no bolso, sentindo-se rabugento e com nenhum interesse em terra firme, e que por essas razões, fez-se ao mar, vendo nisso opção melhor do que pegar em armas.

Ismael divaga sobre a universal atração humana pelo oceano, ao perceber que, diariamente, ao longo de todas as orlas se pode testemunhar "milhares de pobres mortais perdidos em fantasias oceânicas", e pergunta-se, o que os atrai para ali? Por que quase todo rapaz forte e saudável fica louco para ir ao mar? Por que o passageiro de primeira viagem sente uma vibração mística quando perde a terra de vista? Por que os antigos Persas e gregos consideravam o mar sagrado? O jovem Ismael explica essa atração como algo tão profundo quanto o mito de Narciso, que, por não conseguir alcançar a imagem que viu na fonte, nela mergulhou e se afogou, e que nós mesmos vemos essa mesma imagem em todos os rios e oceanos do mundo e essa é a imagem do "insondável fantasma da vida".

Gustave Caillebotte – Périssoires sur L’Yerres – óleo sobre tela – Milwaukee Art Museum
Gustave Caillebotte – Périssoires sur L’Yerres – óleo sobre tela – Milwaukee Art Museum

Talvez Melville tenha sido um dos primeiros a relacionar a melancolia humana à sua atração pelas águas, atualmente, a psicologia pode interpretar o nosso interesse pelas águas como algum distúrbio psicológico passível de terapia. Da minha parte, concordo com o Ismael de Melville e com os psicólogos mais sérios, e acrescento, a mania de barco é também consequência do advento do lazer e da preocupação com a saúde.

Vejam o exemplo de Gustave Caillebotte (1848 - 1894), filho de uma família francesa abastada, tornou-se mais conhecido como pintor, mas, formou-se em direito e obtendo licença para advogar em 1870, logo depois, foi convocado para a guerra franco-prussiana, da qual sobreviveu, podendo se iniciar nas belas artes em 1873, tornando-se um impressionista e patrono das artes.

Gustave Caillebotte – Boaters on the Yerres, 1877 – crayon – 86 x 52 cm – coleção particular
Gustave Caillebotte – Boaters on the Yerres, 1877 – crayon – 86 x 52 cm – coleção particular

Graças ao patrimônio da família, podia pintar livremente sem a preocupação de ganhar a vida com suas obras e pôde patrocinar exposições de colegas pintores como Claude Monet, Auguste Renoir e Camille Pissarro, comprar suas obras e até pagar suas despesas.

Nos anos de 1877 e 1878, criou uma série de sete pinturas ilustrando cenas de remadores esportivos ao longo do rio Yerres, que cruzava as propriedades da sua família, ilustrando o advento das atividades esportivas ao ar livre, que se tornavam tão populares entre os mais favorecidos. Além da pintura e do remo, Caillebotte também teve como hobby a construção de barcos. A trajetória de vida de Caillebotte não é diferente da de muitos afortunados que ao longo da história puderam fazer essa opção pelo mundo das águas.

Gustave Caillebotte – Skiffs – 1877 – óleo sobre tela – National Gallery of Art
Gustave Caillebotte – Skiffs – 1877 – óleo sobre tela – National Gallery of Art

Aqui no Brasil, mais especificamente, na cidade do Rio de Janeiro, segundo o estudo de Victor Andrade de Melo, intitulado "o Mar e o Remo no Rio de Janeiro do Século XIX", publicado em 1999, a maior intimidade dos cariocas com o mar também se iniciou na segunda metade do século XIX, com o advento do sanitarismo ditando padrões comportamentais e estéticos, assim como a prioridade de se tornar a cidade "mais habitável", a água passou a ter um papel de protagonista, o que influenciou na adoção de medidas para a sua encanação e distribuição. Também se instaurou a prática dos "banhos de mar", os da elite, tomavam o rumo da Praia de Botafogo e do Russel (atual Praia do Flamengo) ou da distante Copacabana, sendo as praias da Lapa, Passeio e Santa Luzia também muito frequentadas.

As praias tornaram-se o espaço apropriado para o lazer, na forma de piqueniques e passeios de barco e canoas, inicialmente para a idílica contemplação da paisagem e mais tarde dando lugar ao remo como atividade esportiva organizada mobilizando um grande público em competições entre os primeiros clubes náuticos, que tinham como associados os precursores dos atuais "meninos do rio". Implantava-se assim as bases para a cultura carioca, que tem como elementos fundamentais a praia, o hedonismo e a busca do "insondável fantasma da vida" à que se referia Melville.

Escrito por: Daniel Shimada Brotto

Referência:

Série Gustave Caillebotte - remadores. Disponível em: <https://www.arteeblog.com/2016/08/serie-gustave-caillebotte-remadores.html?m=1> Acesso em: 24 SET 2021.

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